Rugas de Sorrisos

Na opinião de Ana Silvano- Psicomotricista

Envelhecimento, Demência & Cuidar

Cada então da sua vida, na sua vida, na vida de quem cuida, tem um significado. Quantos “então” já ouviu sem saber o que queriam dizer? Quantos “então” já ouviu e ignorou porque estava cansado/a? Cansado/a de não compreender. Cansado/a de não ser capaz de comunicar. Mas lembre-se: é capaz! Assim como eu fui, depois de meses sem desistir.

 

Olá a tod@s,

 

O meu nome é Ana Silvano e sou Psicomotricista (terapeuta), desde 2015.

Atualmente, trabalho maioritariamente em contexto social, nomeadamente com crianças e famílias em situação vulnerável, numa comunidade do distrito de Lisboa. 

Durante 3 anos, entre 2016 e 2019, também percorri lares (atualmente Estrutura Residencial para Idosos – ERPI), residências seniores e algumas casas de pessoas idosas, para dar cor aos seus dias através da Gerontopsicomotricidade (intervenção psicomotora aplicada às pessoas idosas). 

 

Na manhã do dia 25 de março, recebi uma chamada inesperada. Era a Helena.

Ela iniciou a conversa com a sua voz dócil e alegre de sempre. E começamos a falar, como se nenhum dia passasse desde a última chamada, que já faria meses…

 

Conheci a Helena em 2019. 

Desde que conheci o projeto que o admirei, que admirei a Helena pelo seu trabalho incrível e generoso. 

A primeira vez que lhe escrevi, em fevereiro de 2019, foi para lhe propor que fizesse parte da minha investigação de mestrado sobre “A Qualidade de Vida das Pessoas Idosas com e sem Demência”. 

Desde aí, os nossos caminhos fizeram muito sentido juntas…

Desde aí, que também visto a camisola do Rugas de Sorrisos, para defender o projecto sempre que necessário.

 

Passado um ano, de muitas conversas e ideias partilhadas, recebi uma proposta da Helena, do Rugas de Sorrisos: escrever sobre Envelhecimento, Demência & Cuidar. 

 

Afinal o que é tudo isto? Que termos são estes? 

Posso definir cada um deles, de acordo com fontes fidedignas e credíveis. No entanto, antes de chegar aí, quero deixar duas palavras ao leitor – Emoção & Comunicação. 

 

Irei desenvolvê-las ao longo do tempo, diretamente ou entrelinhas, irei falar delas, do seu poder e da forma que devemos trabalhá-las. 

Todos nós chegamos ao mundo da mesma forma. 

Todos nós, chegamos ao mundo, para receber e dar amor.

 

Não estou aqui para vos falar de amor. Quer dizer, ele estará em todas as minhas palavras ao escrever sobre estes temas. Ele estará nas suas ações enquanto pessoa e enquanto cuidador.

 

Quero partilhar convosco uma mensagem pessoal. Uma experiência profissional. Uma mensagem de força e esperança.

 

Desde 2016 que compreender a demência, bem como conhecer a pessoa para além do seu diagnóstico tem sido um interesse crescente desde que conheci a D. Aida. 

 

Um pouco mais baixa do que eu, entre 1,50 e 1,60 metros de altura, tinha um sorriso escondido, um olhar atento, umas palavras que não se ouviam, um corpo que falava muito mais do que a sua boca permitia e que o seu cérebro pensava.

A D. Aida fez parte da minha vida durante um ano.

As dificuldades de comunicação verbais eram visíveis. A sua idade, a sua saúde não permitiam que a comunicação fosse eficaz e percetível. E, é nestas alturas, mais do que em qualquer outra, que o olhar sobre o corpo deve ser ainda mais atento.

Devemos olhar para cada limite do movimento da pessoa.

Neste caso, diariamente eu olhava ao pormenor, para a forma como o seu corpo andava, comia, falava e se expressava. Todos os gestos eram importantes. Todos os gestos me permitiam conhecê-la e ajudá-la da melhor forma, de acordo com o que ela precisava.

Não foi fácil. Demorou meio ano para ter a oportunidade de a conhecer, de a ouvir e compreender, sem que ela quisesse fugir de mim e ao invés disso, procurasse a minha companhia. 

Mesmo sem saber o meu nome, a cada novo dia que passasse, começámos a passear no jardim e os seus sorrisos começaram a ser frequentes. Começamos a compreendermo-nos uma à outra. Comecei a ser capaz de identificar todos, ou a maioria dos seus gestos, do seu movimento, da sua expressão corporal. Era a única, se não a melhor, forma de comunicar – pelo Corpo! 

Ela também começou a ser capaz de identificar os meus gestos, os meus movimentos. A cada novo dia, se o bom dia não fosse dito, com um toque leve na sua mão, eu imediatamente sentia a mão dela sobre mim, um sorriso rasgado e uma voz tremida “então?”. 

Este então significa “Onde está o meu bom dia?” “Passas por mim e não me cumprimentas. Isso não se faz!”.

 

Cada então da sua vida, na sua vida, na vida de quem cuida, tem um significado.

Quantos “então” já ouviu sem saber o que queriam dizer?

Quantos “então” já ouviu e ignorou porque estava cansado/a? Cansado/a de não compreender. Cansado/a de não ser capaz de comunicar. Mas lembre-se: é capaz! Assim como eu fui, depois de meses sem desistir.

 

Não desistir e persistir é um dos segredos. É um dos maiores desafios da Arte de Cuidar. 

Não precisa de estar sozinho/a nesta caminhada. 

Rugas de Sorrisos tem pessoas incríveis e dispostas para a/o ajudar neste caminho. Um caminho que não precisa de ser só seu, só vosso. Um caminho que pode, também, ser nosso.

 

Para além disso, pode sempre contactar a Associação Alzheimer de Portugal 

https://alzheimerportugal.org/pt/

 

Espero que esta leitura mantenha a esperança de dias coloridos na sua vida e na vida de quem cuida.

 

Um beijinho,

Ana Silvano  Psicomotricista 

mentoriapsicomotriz@gmail.com