Rugas de Sorrisos

Envelhecemos desde que nascemos. Todos o sabemos e todos o ignoramos.

Morrer antes da hora

Dignificar a velhice é importante. Olhar para ela com o respeito que desejamos se tivermos nós também a sorte de chegar a essa fase, é cada vez mais urgente. Este texto é por todos os que já passaram aqui e pelos que agora acompanhamos. Sim! Por todos aqueles por quem trabalhamos e por todos os que por eles trabalham.

Envelhecemos desde que nascemos. Todos o sabemos e todos o ignoramos. Olhamos para a velhice com preconceito, desdém e alguma repulsa, atrevo-me a acrescentar.

Ainda assim, queremos ter a sorte de andar por cá muitos anos, acompanhados pelos nossos, sejam eles mais velhos ou não.

Quando se trata de nós, não pode ser de outra forma. Para nós não existe idade, nem tempo. Já os outros… aqueles que morrem cedo demais, que são negligenciados, que são maltratados… é a vida!

Não sabem? É a vida a acontecer, nos moldes que alimentamos.

Engraçado como interpretamos sempre as coisas da forma que nos é mais conveniente.

Seja por motivos políticos, crenças ou interesses.

Aqui andamos nós ao sabor do vento. Não queremos um mundo de robots, mas quando nos dá jeito imitamos na perfeição as máquinas. Que seres humanos da treta, nos permitimos ser, num mundo em que priorizamos números no lugar de sentimentos. Num mundo onde aumenta a maldade gratuita, a indiferença, a inveja e a desigualdade.

E assim caminhamos nós para a velhice, a ouvir e a ver o que não queremos,  numa área onde os interesses aumentam e o humanismo e a sensibilidade diminuem.

Ultimamente muito se tem falado de maus tratos às pessoas idosas na comunicação social. Como se não bastasse o que ouvimos, somos brindados em cada reportagem com imagens que chocam. Arrepio-me  só de relembrar as misérias que nos chegam. Cada pessoa retratada poderei ser eu, e poderá ser qualquer uma das pessoas que está a ler este texto, um dia.

Alguém se imagina? Longe da sua casa, das suas coisas e a ser OBRIGADO/A a tomar banho em água fria, a comer o que está estragado e/ou não gosta, a ser amarrado/a e para complementar este menu maravilhoso… a ser agredido verbalmente e fisicamente?

Parece impossível. Talvez há 20 ou 40 anos as pessoas que agora estão nesta situação dessem a mesma resposta.

Ninguém quer saber dos velhos, nem do que se esconde por detrás de cada rosto, ainda menos da sua história. Mas, e de ti, queres saber? E um dia quando fores tu a pessoa velha queres que a pessoa que se ocupa de ti, se interesse por quem um dia foste?

Sim esta pergunta é para ti. Preocupa-te a tua velhice ou tencionas carregar no botão do stop e morreres antes?

Parece de uma brutalidade e de uma malvadez atroz o texto que vos escrevo e as questões que através dele vos coloco, ainda assim, sinto essa necessidade, num mundo que cresce em direitos sem obrigações. Em que se alimentam preguiçosos e se perdem valores.

Este texto é-nos dirigido a todos, não sendo para ninguém. Questiona a impotência de serviços e a cegueira dos mesmos. Questionará talvez as falhas de um sistema, a sua (in)eficácia e a indiferença disfarçada de quem o move.

Tenho o direito de escrever este texto. É só a minha opinião. Sinto e doí-me cada palavra que escrevo. Por um terreno que acompanho e para o qual nem sempre temos as condições desejadas e necessárias. Precisam-se mais respostas para dignificar a velhice. Ou devo dizer para tornar mais digno o nosso envelhecimento para ser merecedora de atenção?

Que mundo este. Todos o desejamos a cores e todos o mantemos sombrio. Irónico não é? Ainda assim relembrar que os maus tratos que autorizamos agora são só uma amostra do nosso amanhã e morrer antes da hora a mim não me agrada nada.

Helena Saraiva